ISAAC BARDAVID: O legado de um niteroiense e o futuro de um mutante

Foto de Isaac Bardavid / Reprodução / Gustavo Stephan / Agência Globo

Depois das notícias que a Marvel liberou nas últimas semanas e do conteúdo abordado no PAPO NERD #98: Vai dar ruim? IA e a dublagem!, eu refleti sobre a importância das diversas equipes de dublagem brasileira e o peso que dubladores falecidos fazem para o crescente conteúdo de dublagem, como no caso que o Bans e o Guima comentaram durante o episódio do Papo Nerd, do ex-policial militar e dublador de Harry Potter, Caio César de Melo, falecido em patrulha no Complexo do Alemão com apenas 27 anos de idade.


Dos 3 grandes anúncios realizados pela Marvel Studios nas últimas semanas, dois deles envolvem o icônico personagem da equipe dos X-Men, Wolverine: Uma dessas versões será apresentada na animação X-Men´97, que acompanhará a equipe de mutantes diretamente depois dos eventos da série animada clássica de 1992 à 1997; A outra aparição do personagem será no filme live-action Deadpool & Wolverine, onde o ator Hugh Jackman interpretará o personagem depois de sua última aparição definitiva no filme Logan, de 2017. Essa notícia é excelente para os fãs do personagem, mas triste para uma geração de fãs brasileiros que se adaptou com a voz da dublagem brasileira do personagem nos últimos anos como sendo a mesma de Isaac Bardavid.


Isaac nasceu em 13 de fevereiro de 1931, em Niterói, no Rio de Janeiro. Filho do comerciante Haim Bardavid e de D. Victória Bardavid, possui origem judaica turca e se formou em Direito apenas aos 45 anos de idade, tendo passado também pelos estudos de filosofia e de línguas neolatinas, das quais ele trancou o curso e nunca chegou a concluir. Mesmo passando por metade de sua vida neste árduo processo acadêmico, nunca exerceu a profissão e tem se dedicado à dramaturgia desde os 17 anos, iniciando sua carreira no teatro em 1948.


Isaac Bardavid como Francisco, em Escrava Isaura / Reprodução / Globo / Acervo

Passou boa parte de seu período no palco em parceria com o Teatro de Arte do Rio de Janeiro, de Maria Jacintha, atuando diversas vezes no local. Começou sua carreira na televisão em 1959, passando pelas emissoras TV Tupi, TV Rio, Manchete e Record, mas foi na Globo onde ele passou seu maior período profissional, trabalhando em mais de 30 produções desde 1966. “Os Caras de Pau”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “Chocolate com Pimenta”, “A Padroeira”, “O Fantasma da Ópera”, “Rei Davi”, “Carga Pesada”, “Os Trapalhões”, “Salve Jorge”, “Zorra Total”, “Dois Irmãos” e “Gabriela” foram algumas das produções reconhecidas nacionalmente das quais ele participou, mas muitos fãs de seu trabalho na TV reconhecem que seu auge foi em 1976, ao interpretar o capataz Francisco em “Escrava Isaura”.


Ele também participou de algumas produções do cinema nacional (“A Viagem Prometida”, “O Escaravelho do Diabo”, “Os Carcereiros”) e escreveu um livro de poesias nos seus últimos anos de vida (“Versos Adversos”, cujo o qual eu tenho o prazer de dizer que tenho uma cópia autografada), mas seu maior impacto nacional certamente foi no ramo da dublagem. Bardavid foi um dos pioneiros da nossa querida dublagem nacional, auxiliou muito na regulamentação da profissão e foi reconhecido como o melhor dublador do Brasil durante a década de 70.


E o resto, como vocês sabem, é história: A voz marcante de Isaac Bardavid cativou uma gama de fãs e futuros dubladores pelo país inteiro, e sua influência persiste até os dias de hoje, em diversos atores e personagens que ele interpretou ao longo dos anos e dos quais mal conseguimos reconhecer sem sua marcante presença por trás das telas: Ben Kingsley, Michael Caine, Clint Eastwood, Marlon Brando, John Hurt, Anthony Hopkins, Josh Brolin, Jim Cunnings, Alec Guinness e Christopher Lloyd foram alguns dos atores que ele dublou em diversas produções cinematográficas, e seus personagens serão lembrados por gerações!


Isaac Bardavid, com seu livro em mãos, Versos Adversos / Reprodução / A Tribuna

Seja como Wolverine, como O Esqueleto (He-Man), como Comissário Gordon (diversas adaptações do Batman), como Odin (filmes do Thor do MCU), como Tigrão, como o velho Obi-Wan Kenobi (trilogia clássica de Star Wars), como Dr. Eggman (diversas animações do Sonic The Hedgehog), como o Rei Tritão (animação A Pequena Sereia), como Horácio Slughorn (saga Harry Potter), como Tio Fester (A Família Addams), como Freddy Krueger, como Senhor do Fogo Ozai (Avatar: A Lenda de Aang), como O Chapeleiro Louco (animação Alice no País das Maravilhas), como Rei Harold (pai de Fiona, da saga Shrek) e até como Jor-El (filmes clássicos do Superman), sua voz está e estará gravada para sempre em nossas memórias.


E com um legado deste tamanho, enraizado de forma tão concreta no subconsciente brasileiro, fica muito difícil para nós, meros mortais, refletir e aceitar o futuro que está por vir. Isaac Bardavid nos deixou em fevereiro de 2019 devido a complicações de um enfisema pulmonar. Durante esses 90 anos de história, um dos momentos mais marcantes desta jornada (especialmente para os fãs mais jovens da dublagem brasileira e que pouco conheciam desta lenda) foi o dia que Bardavid anunciou que estaria deixando de dublar o icônico mutante, junto da notícia de que o astro por trás do herói, Hugh Jackman, também estaria deixando de atuar como Wolverine depois do filme Logan.


Durante o lançamento do filme, ambos tiveram a chance de se encontrar pessoalmente no programa ao vivo The Noite, com Danilo Gentili. Foi um momento icônico e reconfortante ao ver duas pessoas com jornadas distintas se unindo em prol de uma experiência compartilhada: o mesmo tempo que Jackman dedicou ao personagem, Bardavid também o fez, traduzindo de forma espetacular os maneirismos e o impacto da atuação de Jackman às telas brasileiras. Poder experienciar o orgulho, carinho e respeito que Jackman apresentou ao seu dublador em rede nacional foi mais uma confirmação da grandiosidade de Isaac Bardavid como pessoa, do quão magnífica é a dublagem brasileira e o quanto ela deve ser respeitada!


Isaac Bardavid e Hugh Jackman se conhecem no programa The Noite / Divulgação / SBT

Agora, mais de 5 anos depois da partida de Bardavid, nos deparamos com um triste dilema: A Marvel voltará a usar os mutantes nos seus próximos projetos, e ainda por cima, Jackman voltará ao personagem para uma nova última interpretação, ao lado de Ryan Reynolds como o mercenário Deadpool. No caso de X-Men ´97, esse “problema” já foi retratado, escalando o dublador Luiz Feier Motta para interpretar Wolverine, tendo interpretado o personagem durante a série X-Men Evolution, de 2000 à 2003, mas no lado da produção live-action, nenhum dublador foi escalado até o momento, e a tensão para ver quem substituirá este ícone persiste.


É triste pensar num futuro onde Wolverine esteja sem Bardavid no comando, mas o futuro já chegou e devemos aceitá-lo de braços abertos, sem deixar de lado o que se passou e prestando uma devida homenagem à esse niteroiense que marcou tanto nossas vidas. A dublagem deve permanecer viva e nenhum tipo de inteligência artificial possui a capacidade de demonstrar o peso que uma dublagem exerce e merece exercer num conteúdo audiovisual, principalmente quando ela tenta trazer de volta algo que se perdeu há tanto tempo atrás…


Enfim, essa galera das antigas sabe muito bem o quanto faz falta ouvir as vozes de Isaac Bardavid. O que vocês acham da sua contribuição para o legado nacional? Sabiam de todo esse conteúdo que ele produziu? Lembram de mais algum personagem icônico que ele dublou e que não citamos acima? Por favor, deixem seus comentários e suas homenagens à essa lenda da dublagem aqui e nas nossas redes sociais.

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