AVATAR: O ÚLTIMO MESTRE DO AR : Live-action adapta material original de forma agradável, mas deixa de lado sua essência

Cartaz da série Avatar: O Último Mestre do Ar / Divulgação  / Netflix

ATENÇÃO: SPOILERS DE AVATAR: O ÚLTIMO MESTRE DO AR (NETFLIX, 2024) E AVATAR: A LENDA DE AANG (NICKELODEON, 2005)


A Netflix divulgou ontem (dia 22 de Fevereiro) a primeira temporada da série Avatar: O Último Mestre do Ar, adaptação da série animada Avatar: A Lenda de Aang, da Nickelodeon Productions e desenvolvida em parceria com a mesma. O conteúdo do live-action produzido por Albert Kim e lançado até o momento buscou adaptar a primeira temporada da animação criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko, compilando os primeiros 20 episódios de 23 minutos em 8 episódios de uma hora cada.


A história segue a jornada de Aang (Gordon Cormier), uma criança dos nômades do ar que recentemente descobriu ser o Avatar de sua geração: uma pessoa que possui a habilidade de controlar os 4 elementos de uma vez só e deve servir como líder espiritual e diplomata entre as 4 tribos elementares. Ao entrar em conflito com suas obrigações, ele sofre um acidente que lhe deixa congelado por um século, apenas para ser acordado no meio de uma guerra mundial que dizimou sua tribo e lhe tornou não apenas no último mestre do ar, mas também no único capaz de trazer paz e equilíbrio para o mundo.


Na sua base, a premissa da primeira temporada é semelhante entre as duas produções: Aang acorda no meio da guerra e precisa arcar com suas responsabilidades e fazer novos aliados para evitar ser capturado pelas tropas totalitárias da nação do fogo e dominar a manipulação dos demais elementos para se tornar o Avatar e acabar com a guerra. Até aí, tudo bem, mas a diferença se encontra na forma como a jornada é descrita em prol do material original: a tentativa de contar a história de 20 episódios de forma detalhada, em outro formato e com mais tempo de tela poderia ter transformado esta produção live-action na melhor aposta da Netflix, mas o resultado deixa a desejar.


Imagem promocional da série Avatar: A Lenda de Aang / Divulgação / Nickelodeon

A trama consegue nos mostrar pontos essenciais da jornada original de Aang e seus amigos, Katara (Kiawentiio) e Sokka (Ian Ousley), mesmo cortando bastante conteúdo original e mesclando o que sobrou em alguns easter-eggs ou em episódios mistos, mas tudo isso serve para o enredo que o live-action pretende nos contar, consolidando uma aventura rápida, empolgante, nostálgica e construída de forma competente. Eu digo “de forma competente” pois é a palavra mais positiva que posso trazer ao resultado final, já que muito deste conteúdo inicial é autoexplicativo e extremamente expositivo. As ideias e fundamentos estão presentes, mas eles nunca chegam a ser trabalhados com a dignidade e maestria da qual a versão original sempre tratou (versão esta que deve ser considerada como mais curta e melhor produzida do que a nova edição), chegando ao resultado que todo fã de Avatar já esperava: a série da Netflix não chega aos pés do que a animação foi, mas é mil vezes melhor do que a tentativa de M. Night Shyamalan em 2010, com o filme “O Último Mestre do Ar”.


Mas não é só de cortes que se nasce uma adaptação, às vezes elas também adicionam algo ao material original, e é visível que tudo o que foi adicionado aqui serve para melhorar o que já é ótimo: ter uma visão mais detalhada do Agni Kai entre o Senhor do Fogo Ozai (Daniel Dae Kim) e Príncipe Zuko (Dallas Liu), permitir que a Avatar Kyoshi (Yvonne Chapman) explicasse para nós o estado Avatar, conhecer a história do Avatar Kuruk (Meegwun Fairbrother), mostrar o desenvolvimento da Azula (Elizabeth Yu) antes da sua introdução, apresentar o genocídio dos nômades do ar e o funeral do filho de Iroh (Paul Sun-Hyung Lee) foram alguns dos pontos mais impactantes desta nova versão pois tudo acrescentou profundidade à mitologia construída pela animação. Talvez todo esse conteúdo adicional sirva para apresentar algo que era apenas subentendido no original, menosprezando a habilidade de uma simples interpretação de texto ou percepção básica da narrativa por parte dos espectadores, mas ainda assim, foi um material bem produzido.


Existem, porém, diversos cortes realizados que fazem com que a trama perca seu peso narrativo em comparação ao original, sendo o mais evidente deles, na minha opinião, o desaparecimento do cometa Sozin e a urgência da conclusão da jornada do Avatar: na animação, um cometa celestial que intensifica o poder do fogo pode ser o ponto culminante para a vitória da nação do fogo e sua dominação mundial, e ao descobrir isso, Aang percebe que precisa aprender a dominar os 3 elementos restantes em um tempo recorde de pelo menos um ano, o que prepara o palco para o confronto final da série. Entretanto, esse ponto não é apresentado no live-action, o que engloba o desenvolvimento do protagonista ao longo da primeira temporada apenas na necessidade dele arcar com as consequências de seu desaparecimento, mas não na necessidade dele tomar uma atitude perante isso, começar a correr contra o tempo e se tornar um mestre elemental.


Dar a importância aos erros do personagem é necessário, mas não quando se faz isso em todo o episódio (principalmente quando Aang já entendeu o recado em meados do episódio 4, tornando a repetição cansativa e o peso da mensagem inexistente). O resultado faz com que Aang fique boa parte do tempo se culpando por um erro que ele não cometeu, recebendo poucas oportunidades para agir feito a criança que ele ainda deveria ser neste ponto da história e não aprendendo nenhum elemento novo ao final do primeiro arco.


Recorte de cena do live-action de Avatar, com Kiawentiio (Katara) e Ian Ousley (Sokka) / Divulgação / Netflix 

Katara sempre foi uma personagem amada pelos fãs, mas a jornada dela no decorrer do live-action me pareceu um pouco rasa em comparação ao que foi no original. Claro que tivemos diversos pontos importantes, como ela aceitar a morte de sua mãe e aprender as habilidades de dobra da água aos poucos, mas houve a falta de algo que preenchesse esse meio da sua jornada de amadurecimento e independência, sendo o mais próximo disso o tempo que ela passa ao lado de Jet (Sebastian Amoruso) e sua discussão com o Mestre Pakku (A. Martinez). Algo do qual eu percebi que ela sofre é o clichê onde o personagem não consegue fazer algo essencial para o desenvolvimento do episódio sem antes receber algum tipo de apoio motivacional do restante do grupo, o que se torna bem aparente nesta versão, já que ela aprende diversas técnicas de dobra da água por conta própria e recebe o título de mestre d´água sem ter tido alguém para lhe fornecer esse ensinamento.


Por outro lado, Sokka foi um dos personagens mais bem trabalhados do live-action ao manter seu sarcasmo e senso de justiça clássico intacto, mas adicionaram à ele uma necessidade por ser alguém mais resiliente e se tornar um guerreiro apto à proteger os outros. Essa vertente narrativa é muito bem exposta no episódio da ilha de Kyoshi, alterando sua interação inicial com a guerreira Suki (Maria Zhang), o que faz ele perceber que, no fundo, ele já é um guerreiro forte e corajoso mesmo que ele não esteja todas as vezes na linha de frente (esse é outro caso de uma mensagem que se repete diversas vezes, como a do Aang ter que arcar com as consequências do século, mas acho que essa storyline foi melhor trabalhada no geral).


Mas não temos como negar que os personagens que mais usufruíram desta adaptação foram os vilões da saga, principalmente Zuko e Iroh. Foi muito bom ver as interpretações de Zhao (Ken Leung), Azula e Ozai, mas a dupla dinâmica da nação do fogo foi a que mais ganhou com isso: Paul Sun-Hyung Lee foi a melhor escolha para viver Iroh e vê-lo comentando sobre técnicas de guerra enquanto usa Pai Sho (jogo de tabuleiro do universo de Avatar) como referência ou se distrair com as comidas típicas dos mercados do reino da terra me fez sentir como se estivesse vendo a animação novamente, e toda a narrativa de Zuko foi exposta com maestria e delicadeza, mas o que solidificou essa versão do personagem foi a interpretação impecável de Dallas Liu.


Foto dos atores Daniel Dae Kim (Ozai), Ken Leung (Zhao), Elizabeth Yu (Azula), 
Paul Sun-Hyung Lee (Iroh) e Dallas Liu (Zuko) em live-action de Avatar / Reprodução / Netflix

Além da atuação e do roteiro, as técnicas de dobra de qualquer um dos 4 elementos foram realizadas perfeitamente por todos os envolvidos! Toda vez que um elemento é manipulado em tela você consegue sentir a concentração do dobrador e o pesar que cada um desses elementos representa nos personagens, e observar este choque de elementos nas oportunidades que a série proporciona é nada além de extraordinário! As batalhas entre dobradores são um dos principais pontos do live-action e todo confronto principal do Livro 1: Água é representado de alguma forma aqui, seja o Agni Kai, a fuga da prisão de Aang e o Espírito Azul, os diversos confrontos de Zuko contra Katara, a ira de Iroh após a morte do espírito da Lua, Sokka e Suki contra a frota de dobradores de fogo na ilha de Kyoshi ou a batalha de Bumi (Utkarsh Ambudkar) contra Aang em Omashu.


Falando nisso, os cenários e os figurinos de cada intérprete estão perfeitos, chega à um nível de cinematografia que todos esperávamos que o filme de Shyamalan fosse: Todas as locações possuem uma extrema fidelidade da ambientação em geral, e ver essas cidades, rodeadas de templos e ilhas com pessoas típicas convivendo entre elas foi, junto com as dobras dos elementos, a melhor parte da série: nos fez sentir que aquele espaço era real, que o mundo de Avatar pode existir de forma tão similar ao nosso, sempre nos dando aquele gostinho de “quero marcar uma viagem para [inserir aqui local de destino da série Avatar] agora!”


Resumindo essa dissertação longa em algumas linhas, a representação audiovisual e a fidelidade gráfica de Avatar: O Último Mestre do Ar (Netflix, 2024), é fenomenal e deveria ser uma importante lição para qualquer um que busca fazer uma adaptação de qualquer tipo de conteúdo, mas toda essa beleza não consegue mascarar os deslizes narrativos e tropeços na sua tentativa de adaptar algo tão simples mas tão profundo ao mesmo tempo, transformando uma adaptação “mais séria e adulta” em algo que chega quase lá, mas nunca chega. A adaptação deve aceitar que o público dela é inteligente o suficiente para compreender o conteúdo por si próprio e o público deve aceitar que a adaptação é apenas isso: uma nova forma de contar uma história já bem contada, e não algo que pode deturpá-la de vez, e nem vai. Mas acima de tudo que é sagrado, o público deve aceitar que essa adaptação tem múltiplos méritos e deve ser apreciada tanto quanto outras recentes no mercado, como a de One Piece (Netflix, 2023) e a de Percy Jackson (Disney, 2024), com o objetivo de que tudo o que era bom mantenha-se neste nível, e tudo o que não chegou aos pés do original tenha a chance de um dia chegar, talvez numa próxima temporada!


Recomendação pessoal: vejam o live-action (posso ter criticado ele demais, mas no geral, ele é muito bom!), mas não o vejam sem antes terem visto PELO MENOS a primeira temporada da animação: é mais curta e mais divertida! Se vocês já viram a animação mas faz bastante tempo, pode já ir pro live-action para matar a saudade da obra (a nostalgia e a excelente produção visual vai te fazer ignorar as mudanças do original). Se já viram a animação, querem mais de Avatar e não se interessaram pelo live-action (ou tá com medo de que ele estrague suas lembranças do original), maratona a continuação da saga do Avatar, em A Lenda de Korra. Se já viram Korra, parte para as HQs. Fiquem longe dos jogos e do filme de 2010, no geral, nenhum deles presta!


A animação completa de Avatar: A Lenda de Aang (2005) já está disponível na Netflix, assim como sua continuação, A Lenda de Korra.


O filme O Último Mestre do Ar (2010) já está disponível na Netflix.


A primeira temporada da série Avatar: O Último Mestre do Ar (2024) já está disponível na Netflix.

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